sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

O Coveiro

Sempre ali. Primeiro e último.
Enquanto o cortejo vem ele pensa, “seres humanos, deviam se ver como eu os vejo. Todos iguais, na horizontal. Mudos, pálidos.
Brancos ou negros, ricos ou pobres. Imóveis dentro do caixão, da urna. Sem o que outrora os fizera diferentes, a vida.
Agora na morte, só resta esperar, lado a lado com seus novos condôminos, virar pó e se juntar a terra, que é para onde devemos retornar.
Na aparência não valem mais nada. Agora imune aos dolos, esperam o juízo final.
Os motivos pelos quais vêm parar aqui são diversos: má direção, morte súbita, anjos que nem chegaram a nascer. Anciãos de idade vencida.
O que fica é só o espírito, no amor ou na dor, eterna”.
Quando tudo começa, vem a sua mente: ”e quando for a minha vez? Estarei preparado?“
Então com respeito e compaixão, os enterra, apaga-lhes a luz, priva-os do ar. Encerra seus corpos em túmulos, jazigos, separando-os para sempre de seus entes queridos.
“Sei que um dia estarei ali” continua a pensar, “quem me servirá!”
A sós, expressa condolências dizendo: “Descanse em paz”.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Flor de Estufa

Completo hoje, 35 anos de idade, a visita do meu querido médico me deixou nostálgico. Tratamento em casa, doença rara, não posso me movimentar muito, meus ossos se quebram facilmente, basta uma quedazinha e eles se partem, às vezes em vários pedaços, desconsolador.
Ele, foi sincero comigo: “você tem pouco tempo de vida, agradeça a sua mãe por estar vivo até hoje”, e se foi. Eles são assim mesmo, lidam com doentes o dia todo.
A nostalgia que estou sentindo é diferente da de outras pessoas. Tenho saudades das coisas que não fiz, ou melhor, das que não me deixaram fazer.
Ah! Quisera eu ter caminhado na areia da praia, enfrentado bravamente as ondas do mar, sentido a brisa, o sol no rosto, jogado futebol, ido ao cinema, andado de bicicleta. “Você não pode meu filho, é perigoso”, dizia minha mãe. Proteção, amor materno, não posso recriminar.
Quisera eu ter namorado, beijado na boca, abraçado sem medo de me trincar. Mas assim vivi a infância, juventude e estou vivendo o pouco da fase de adulto que me resta, preso.
Quisera eu viver menos, 20 anos talvez, mas ter andado a cavalo, corrido, até quebrar todos os ossos do meu corpo, mesmo assim a dor seria menor da que sinto agora.
Logo deixarei esse mundo, mundo esse que assisti como mero espectador, da janela de meu quarto, ele girar, ficar claro, escuro, chover, ventar, crianças brincar, jovens paquerar, adultos trabalhar. Tudo isso para um pouquinho mais durar.
Na ânsia de me ter por mais tempo fui privado de experimentar, de sentir o sabor de viver; mesmo que perigosamente.
Como flor de estufa fui criado. Preferia ter sido queimado como ela, se exposta ao sol, mas ter momentos para me lembrar, me extasiar antes de partir na viagem sem volta.
Agora é tarde, estou murchando, fraco, descalcificado, sei que não posso, mas se me fosse permitido voltar no tempo viveria menos cronologicamente e mais especificamente.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Felicidade

Felicidade era uma amiga muito querida, ainda criança nos conhecemos. Nos divertíamos, brincávamos, dávamos muitas risadas; infância de parceria.
À medida que fui crescendo, a adolescência chegando, a percebi mais distante, mais arredia. Nem sempre estava comigo. “Acho que arrumou outra amiga”, pensava. Nos encontrávamos de propósito, mas também por acaso; e era tão bom, apesar da distancia em que vivíamos.
Sentia falta dela, mas o tempo começou a passar tão depressa que às vezes nem lembrava que existia. Coisas a fazer, problemas a resolver, hormônios a cuidar.
Ao me tornar adulta a via com um, com outra; raramente vinha me visitar. Certa vez a vi com umas mulheres de sorrisos largos e fartos, acreditem, nem sequer me cumprimentou.
Passaram dias, noites, semanas, com o tempo nos encontrávamos esporadicamente. A tristeza foi tomando conta de mim, estrangulando meu coração, até que não a vi mais. Não a minha volta ou em minha casa, só notícia de quem a conhecia. Os amigos o notaram. Eu estava em depressão!
E todos, como num mutirão de solidariedade procuravam-na pra mim. No céu, na terra, no mar; perto, longe, todos perguntavam, “onde está Felicidade? Precisamos dela com urgência!”.
Um vai e volta de pessoas a buscar, a me ajudar, mas nem sombra dela, “onde está Felicidade!”.
E eu, tentando esquece-la, vivia a procurar um modo de viver sem ela, me conformar sem sua companhia; vinha a resposta da mente e coração, “não dá!”.
Revirei tudo; praças, shoppings, cinemas, restaurantes, tudo eu fazia e só dizia, “lá ela não está”.
Cheguei a uma mórbida conclusão, ela morrera. “Devo sepulta-la”, pensei, “e viver acabrunhada sem sua alegria, seu amor? Opa! Amor? Essa palavra pode me ajudar!” Olhei para cima e falei com Deus, “Senhor, pelo amor que sinto por Ti, ajude-me”.
Num instante mágico e inexplicável gritei bem alto, “eu tenho a força!” E me espantei comigo mesma dando risada. Era ela, é, a felicidade que explodia dentro de mim, ela esta lá, sufocada, apertada num canto, afogando num mar de lágrimas, eu não a deixava sair. Dei-lhe liberdade total. Hoje somos grandes amigas de novo.