domingo, 29 de março de 2009

Saudades


Saudades, saudades, sinto saudades.
O azul e a limpidez do céu eram constantes; mas a claridade, fresca como a brisa, e as ruas, de ouro com maciez de algodão doce. Andávamos em nuvens.
Sinto saudades.
A paz reinava! De longe se via o trono. Era de meu Pai.
Suas vestes reluzentes, ainda que lindas não refletiam a beleza de Sua face. Línguas de fogo incandescentes saiam como faíscas, mostrando seu poder e glória. Mesmo assim Ele olhava para mim, e em Seus olhos tinham tanta ternura que meu coração ardia em chamas de amor e satisfação.
Sinto saudades.
Ao tocar das trombetas, era uma festa! Mais um se convertera, Eu corria para Seus braços, e Ele me rodava no ar. Seu cheiro era como de jasmim, de uma flor ou de todas ao mesmo tempo. O coro dos anjos ressoava com doçura e celebração.
A felicidade se manifestava em meus olhos e escorria pelo meu rosto. Meu choro era como cristal!
Sinto saudades.
Na adoração, me prostrava ante Seus pés e meu peito se enchia de júbilo e alegria. Era tanto amor!
No louvor; todos num uníssono, cantávamos até flutuar em Sua magnífica presença.
Orar era alimento! Me humilhar, meu prazer!
Meu espírito regozijava; e eu o chamava de papai.
Sinto saudades!
Certa hora mandou me viajar. Minha bagagem estava pronta. Missão! Nasci!
Tão logo cumpri ordens e for tempo, quero voltar ao lar, e lá correr para Seus braços e a Seus pés eternizar meus sentimentos, e nunca mais me afastar Dele; o Senhor dos Senhores, o meu Deus, pois sinto saudades. !

segunda-feira, 23 de março de 2009

Fred


Poderia falar de vários “Freds”, Fred Astaire, Fred Mercury, Freds famosos, reconhecidos pelo mundo inteiro, mas não; quero falar de um ratinho, ou melhor, de um hamster, meu filho ganhou de sua namorada ele, o nosso Fred, não cantava, não era ator, mas era o roedor mais esperto, inteligente e fofinho que já vi; logo nos primeiros dias na família já o percebemos. Passava as noites a toda, o barulho da sua rodinha de exercícios não deixava ninguém dormir, e logo na primeira delas Rodolfo o tirou e o colocou entre livros, ele roeu os livros e escapou. Escalava sua gaiolinha como se fizesse exercícios de barras do exército, quando chacoalhávamos o saquinho da semente de girassol, seu alimento, ele ficava louco, lambia nossos dedos, e também os mordia. Andava pela casa toda, sumia! Mas amava de paixão seu cantinho, sua meia, Curitiba, frio!
Meu filho vinha para Moji Mirim, interior de São Paulo. Ele lá, numa caixinha dentro da mochila, viajava. Enfrentou e venceu várias delas, acostumamos com ele! Mas a vida é cruel, eles vivem pouco! Em sua última jornada fora de seu habitat deu sinal de que seu tempo estava acabando. Não queria mais comer, beber, seu corpinho pequenino mostrava sinal de doença, triste!
Na ânsia de ajudá-lo, “vamos dar castanha de presente de natal para ele”, disse Rodolfo, e aí demos queijo, água na boca, remédio; Fred mostrava melhora, logo depois piora; e seu martírio e nossa tristeza aumentavam. “Freeeeeeeeeeeeeeed” brincava com ele Rodolfo, ”vamos reage”. E numa sexta feira a noite tirou-o da gaiola e ele, correu por todo lado, mas logo voltou para seu recanto. A cada hora íamos confirmar seu bem estar, e numa dessas horas nos demos conta de sua fragilidade, estava vivo, mas sem forças e dependurado numa das barras da grade que fora sinônimo de seu vigor. Venceu a noite! Ao amanhecer já sedia à doença, Diogo meu outro filho o encontra sem vida, choramos!
Hoje está morando no meu jardim, é no meu jardim; foi lá que decidimos deixá-lo morar, sem barulho, sem rodinha, mas à sombra de uma árvore, pra sempre!
Meu hamster foi para o céu!

terça-feira, 17 de março de 2009

Um Filho, uma Benção


Uma esposa, um marido, como uma família qualquer planeja aumentar a família, engravidam, e no ato um espermatozóide campeão em “natação” chega primeiro, deixando pra trás os competidores desconsolados, e após vencer seus adversários recebe seu prêmio, o óvulo, fecunda-o e dá-se início à vida, é um menino, mas ninguém o sabe, ninguém ainda o viu, Deus sim.
A mãe faz planos, dá nomes àquela criaturinha ainda sem formas, na espera, a criança cresce; se desenvolve, como outra qualquer, não, essa não, ela era especial, única, escolhida por Deus e enquanto um feto se desenvolve normalmente, ele, o campeão, segue com outros planos, o de ser diferente, o de causar sentimentos, visão diferente da vida.
Madrugada. Sua hora chegou. O feto que não se desenvolveu como os outros; agora o menino, vê o milagre da vida. Um sorriso, como se um anjo, marca o seu primeiro contato com a mãe. Não tinha os pés, não tinha as mãos. Choro, emoção, incubadora.
O tempo começou a mostrar para quê aquele pequenino nascera. Cirurgia, dor; prótese aos 3 anos; aprendeu a andar. Pré-escola, escola, toca bateria, na igreja.
Daniel. Daniel Dias, Danielzinho para os seus, é, esse é aquele que no ventre teimou em não se desenvolver, agora a todo vapor. Preconceito? O ser humano tem que aprender a enxergar além, ele enxergou! De um “defeito” arrumou forças, superação. Um sorriso, como àquele do primeiro encontro com sua mãe, encanta a todos, como a encantou, lá, no começo de tudo.
E como a vida é para ser vivida um dia de cada vez, é isso que ele fez, cada manhã, um dia diferente a ser vivido, a ser conquistado, e como conquista! Danielzinho, o presente de Deus para sua família, agora um presente, também para um país. Um herói, um exemplo, não por ser deficiente, mas por ser o que é; uma benção que só o Senhor pôde criar, um campeão, desde o começo, ele já sabia. Com treino, vontade, nadou, nadou, nadou tanto! venceu.
Para-Olimpíadas, medalhas, ouro, prata. É; ele é “Para” mesmo, mas só para os vencedores.
Parabéns Daniel Dias, você é um orgulho para a nação brasileira.

terça-feira, 10 de março de 2009

Zico Pão de Coco


Zico Pão de coco era o nome de um passarinho belga, lindo, que cantava esfuziantemente numa árvore em frente à janela do meu quarto toda manhã.
Chamei-o assim por gostar de comer migalhas de pão de coco. Eu o alimentava, saciava sua sede. Ele cantava como nunca, cada dia melhor e mais bonito.
Acreditando em nossa amizade, armei-lhe uma arapuca. E para exibi-lo aos amigos, comprei uma linda gaiola e o coloquei. Não deu certo, passou a não comer, não beber e muito menos cantar. A tristeza estava estampada naqueles que antes eram curiosos olhinhos. Agora, não mais.
Com pesar pela covardia e egoísmo. Abri-lhe a porta da prisão. Já fraco, não alçou vôo. Ao tentar, desfaleceu-se no chão. Para reparar aquele equívoco tive a idéia de lhe dar uma companheira, era macho.
Com esperanças, percebi uma leve reação. Ainda assim não deu, o dano fora irreversível. Uma semana depois o enterrei no quintal sob o olhar da ex-companheira de cela daquele que fora sinônimo de liberdade.
Indeciso, pensei se devia ou não soltá-la, não queria permanecer no erro, ela não cantava mesmo!
Decidi. Abri à gaiola e a espantei. Insegura e sem saber o que fazer, a passarinha foi para a árvore onde outrora um lindo espécime cantava com a combinação de outros, como uma orquestra regida pela natureza.
Voltando do trabalho ouvi um barulho lá fora. Era ela, em cima da grade de sua antiga morada.
Passaram-se semanas e nada dela ir embora. Tentado compreender tal atitude, depois do fiasco, abri-lhe a portinhola. Toda feliz entrou e se instalou. Como queira, disse eu lhe fazendo um carinho.
Dias mais tarde notei 3 ovinhos no ninho. Depois de chocados, nasceram com penugens iguais as dele. Eu os vi crescer e cantar lindamente como o pai, mesmo que em cativeiro. Não haviam conhecido a liberdade.
Seus nomes? Zico, Pão e Coco.

quinta-feira, 5 de março de 2009

Luz na Janela




Todos os dias, no vai e vem do ônibus, lá estava ela. No meio do nada. Via-se ao longe. Uma só a brilhar na janela. Uma luz.
Da casinha não sabia nada, nem a cor, mas era um encanto para meus olhos. Entre árvores parecia me piscar, fazer contato.
E eu? Noites a fio ansiosa, esperava lhe encontrar. Tinha aulas. Faculdade. Em outro lugar. Era caminho.
Quando de dia ali passava, estrada malvada, ela não me revelava.
Mas no mesmo horário, parecia me chamar. Oh! Céus, o que queria dizer? Código Morse? Não sei.
Minha mente turbilhava hipnotizada. Seria alegria! Seria Tristeza! Seria socorro! Era só cumprimento? Ou companhia? Afinal, o que queria?
No tempo transcorrente o mistério e a curiosidade andaram juntos. Quem estaria por trás daquela empatia. Quem era! Nunca soube.
Pouco antes de acabar meu curso a luz se apagou. Senti um vazio. Era fantasia. Amigo imaginário. Chorei.
Meu Deus, carência afetiva. Preciso de um amigo. Um amigo real.

segunda-feira, 2 de março de 2009

Montanha Assassina


Era mês de março do ano de 1996, sábado. Minha casa estava cheia, visita para o almoço. Num dado momento, sozinha na cozinha, preparando as guloseimas, senti alguém atrás de mim. Pensando ser meu cunhado, o chamei. Ouvi-o responder lá de baixo, casa de três pavimentos. Fiquei intrigada, tinha a certeza de sua presença ali.
À noite, mesmo dia, a tropa toda já havia se ido, mandei meus filhos dormirem. O mais velho, de oito anos, tinha competição de natação às 5h00 da manhã de domingo.
Deitados, o pai foi lhes dar boa noite, eu na sala de TV. Depois de um tempo, vi um vulto e perguntei se eles já haviam dormido, não obtive resposta, contatei que estava só. “Outro engano?” Me perguntei.
Tarde, cansados, fomos nos deitar. Sono agitado, pesadelo horrível, pessoas gritando, o Brasil inteiro chorando, triste como numa catástrofe. Acordei suando, meu marido não estava do meu lado, olhei no relógio, 4h45min, lembrei da natação, ele ia levar o Rodolfo até o ponto. Desci, eles ainda estavam lá, falei do distúrbio noturno, até chorei, eles me acalmaram e se foram. A competição era em outra cidade.
Peguei no sono outra vez. Tive o mesmo pesadelo. Era demais pra mim. Levantei, já eram 7h00, ele não havia voltado ainda. Preocupada pensei ter descoberto o motivo de tanta sensibilidade, “ele foi raptado, meu Deus e agora”.
Agoniada, comecei, como uma doida, procurar vestígios pela casa. Achei um papel de cigarros na varanda e, “ninguém fuma aqui” me veio. Chorando, não sabia o que fazer.
De repente o portão da garagem se abriu, corri até lá aos prantos.
“Você já soube?” Perguntou ele, e eu, “já, como você se safou?” Ele, “como? Do que está falando?” Eu, “você não foi raptado?” “Claro que não”, disse ele, “que judiação não é?” “Agora sou eu que não estou entendo nada”, disse eu, “que confusão”. Aí ele me deu a terrível notícia, “os Mamonas Assassinas, morreram todos, acidente, o avião deles se chocou contra uma montanha”.
O sangue sumiu do meu rosto, me sentei e contei com detalhes do dia anterior e da noite assustadora. Eu havia pressentido
Mais calma, assisti pela TV a comoção brasileira.
Aquela montanha deturpando o nome da banda quis fazer justiça, e tragicamente se tornou, ela, a verdadeira assassina.
Fazendo jus ao acontecimento, eu a nomeei, “Montanha Assassina”.
Talvez devamos nós escolher melhor nossos títulos, afinal, não se pode sair por aí prendendo “montes” de terra.