quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Canoa Furada


Jovem. Esperançosa. Uma moça de sítio vai visitar a irmã na cidade. Ao lado, numa loja de tecidos, o gerente, recém viúvo, meia idade, bem de vida, se interessa pela donzela de cabelos negros.
Paquera, olhares. E o encontro. O papo engrena. Namoro. Escondido. Conto de fadas. Ela nem acredita. Sonho. Não quer voltar.
Três meses passados. Apresentado aos parentes. Marca jantar em sua casa. É a vez dela.
Em ponto. Bate à porta. Cheia de graça, entra. Casa boa, empregados, filhos. Filhos? Sim, oito. Esbranquiçada vai ao encontro da nova geração de “Telinhos”. Apelido.
Após o susto. Entrosada. Oito meses de cortejo. Idade da menor. Matrimônio à vista. Que disposição!
Casório, festa. Lua de mel. Fel?
Vida real. Mãe sem dar a luz. Banho, choro, papinha, comida. Quase um time. Pôr para dormir. Coragem! Bom ânimo. Boa vontade! Falta experiência.
Superpopulação. As três mais velhas divididas entre parentes. Auxílio temporal.
A vida indo. Outro herdeiro a caminho. Herdeiro? Do que? Nada sobrou! O chefe da casa, abatido. Diabetes. Perde emprego. Consome reserva. O buraco da canoa fica mais largo.
Bem, nem tudo são flores. Mais um nasce, dez. Ufa! Chega.
Mal controlado, aprumado, o pai ajunta os descendentes.
Filhos agregados, convivência complicada. Circunstância da adesão.
Viúva, os dele rumados, as deles com ela. Duas meninas. Concerto bem feito, benção que não deixou sua canoa afundar.
Descanso afinal.

domingo, 25 de outubro de 2009

Uma Historia de Amor


Júlio era um rapaz bem apessoado, de estatura baixa, mas com pinta de galã, um verdadeiro Dom Juan. Morador de cidade grande, capital, passava férias no interior, outro estado. Conheceu ali uma garota bonita, humilde, de mãe humilde. Ela, criada com conforto, luta, mas em meio à sociedade. Tinha classe, estudo, postura.
Foi um encontro marcado, não por eles, pelo destino. Nascia então um amor, uma paixão, arrebatadora, mas quase platônica, impossível para Tuty e Jú. Naquela época.
Compromissado com outra em sua cidade, a fidelidade falou mais alto, difícil, conhecera o amor de sua vida. Ela esperou, namorou outros. Sem descartar a possibilidade de “aliança” com seu amado.
Em idade de fazer faculdade, ele cursa engenharia no município dela. Torna-se atleta, jogador de handebol, famoso pela beleza e competência. Sorriso cativante, risada marcante, remedada.
Encontros, conversas. Sem acordo. Relação inexplicável, como se fosse divina, intocável.
Ela, moça bonita, corpo escultural, voz sensual, rouquinha por nascença. Marca casamento, moço bonito, menino do Rio. Desmarca, desiste. Sorte lançada.
Muitos anos de namoro, 10, 12, ele casa, com a titular. Filhos adotivos, respeito no lar. A filosofia platônica ainda no ar! Ela também o faz, casa com o filho da casa que sua mãe servia. O tempo abranda, acalma os ânimos.
A titular morre, doença fatal. A chama renasce, reaparece. Ela fica grávida, o marido se alegra, terceira filha, surpresa, o aparelho de evitar falhou. Dom Juan então se une a outra.
E o objeto do desejo, dele, que havia reformado o corpo, volta a reformar, se arrumar, se aprumar.
Mas nosso galã sofre do mal do coração, será de amor? Talvez dos dois. O
marca passo é necessário, mas tudo volta a funcionar.
Ele separa, ela também. Se aprofundam na fé, nos assuntos do Altíssimo, crêem na salvação. Maduros, começam nova relação, como adolescentes, namoro, pedir permissão.
Antes tarde do que nunca. Sem papel, sem documentos, mas o que Deus uniu o homem não “separe”.
A vida é curta, não se deixa para amanhã o que se pode fazer hoje. Celebrem o amor juntos, e que Deus os abençoe.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Infância Roubada


É com palavras rudes que começo a escrever esta crônica; despojo, saque, roubo, é assim que chamo ao que priva uma criança de ser criança.
A infância é a base do que somos ou um dia seremos, mas existem pessoas que ainda não entenderam isso. Colocam para trabalhar suas crianças com seus finos e inexperientes braçinhos, mãos frágeis, instigam-nas a assumirem um sustento de família que não é delas, e muitas vezes o próprio sustento, como se ela tivesse pedido para nascer e agora têm obrigação. É horrível não é! Trabalho forçado, falta de amor, de carinho, de alimento, de escola. Mas quero abordar aqui um assunto ainda mais, ou totalmente indesejável, repugnante, eu diria a pior das formas de se roubar o direito à infância de alguém. Pedofilia. Assédio sexual infantil. A pureza de um “serzinho” inocente, de alma limpa, nunca poderia ser dilacerada como o que acontece quando se sofre esse tipo de assedio.
O assedio em si já é totalmente inaceitável, mas quando isso ocorre em vias de fato é ultrajante. A marca, a culpa que se espalha pelo seu corpinho isento de malícia, não tem remédio, e ela nem sabe por quê! Instinto! Não é sua hora! É uma violência de tão grande natureza que se vê a mão do inimigo aflorar sobre o pedófilo; se esse desalmado tivesse a mínima noção da crueldade de seus atos saberia que é desumano. Mas se deixa levar por esse sentimento malévolo e inconcebível abusando de indefesas criaturinhas. A leviandade dessa atitude é de tal forma insultante que pode desprover de capacidade de amar ou de enfrentar a vida, uma criança. E o que é pior, as estatísticas mostram que o maior número dessa atrocidade é cometida por parentes ou conhecidos das vítimas. É uma vergonha!
Quero deixar aqui meu pesar e minha solidariedade aos que conheceram as obscenidades desses que ferem o pudor contrariando a moral e o comportamento digno de ser humano.
A cada infância roubada perde-se também a alma de alguém, do ser lamentável que a roubou.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Um Dia de Borralheira


Uma madame acorda, espreguiça, abre a porta janela de seu quarto, dia ensolarado. Sai à sacada que dá direto pra piscina e diz: “Ah! Passarei a manhã me bronzeando”.
Acorda os filhos, pequenos, 5 e 8 anos. Fazem o desjejum, uma alegria. Mas algo está diferente, ela descobre. A empregada não veio.
“Bem meninos teremos um dia de aventura hoje, já que estamos sós, faremos umas limpezas”, diz ela. Esvaziam gavetas, armários. Muitos papéis, revistas, jornais, uma verdadeira montanha. Então ela tem uma “grande” idéia, “vamos fazer uma fogueira”. Vão para o terreno baldio do lado esquerdo de sua grande casa.
Um divertimento, álcool, fósforo, e o fogo. Temporada de seca fugiu ao controle alastrando, consumindo tudo, a brincadeira e tudo em volta. Aumentando, aumentando. Pânico. Canequinhas de água, mangueira, e nada. A próxima residência? Cerca viva. Solução? Corpo de bombeiros.
Carro vermelho, sirene, jatos de água, Parou a rua, o bairro. Curiosos a bisbilhotar.
Controlada a façanha, o chefe a chama para dar explicações: “Preciso fazer um relatório, a senhora pode me contar como tudo começou? O que aconteceu? Por favor?”.
A madame com os filhos a tira-colo conta: “Bem, meu filho mais velho, coitadinho pôs fogo sem querer num papel e não cons...”, “espere aí mamãe, não fui eu, foi...” corta o garoto, mas ela tapou sua boca e continuou, “como eu ia dizendo, não conseguimos controlar, não teve outra saída se não acioná-los”. “Obrigado”, diz ele, “assine aqui, por favor”, “pois não”, ela assina e agradece.
O homem de uniforme se abaixa e diz para o rapazinho coincidentemente com a caixa de fósforos na mão: “Cuidado, crianças não devem brincar com fogo”, ele faz menção de falar, mas sua mãe o interrompe de novo, “obrigada senhor, tenha um bom dia”. O pequeno levou a culpa e uma bronca.
Ao entrarem em casa foi um choque, o caos havia se instalado ali, queimada por todos os lados. A mulher desnorteada fecha as portas e janelas e diz: “vou limpar só aqui dentro”, e o moleque, “espere aí mãe, porque eu levei toda a culpa?”. “Olha meu filhinho”, diz ela, “se eu contasse a verdade poderia ser presa, mas como você é criança, no máximo uma advertência, entendeu?” “Não”, responde ele insatisfeito com a explicação e pensando, “é, mas o papai vai saber a verdade”.
Mais tarde, com o espanador de pó nas mãos ela limpa o preto dos móveis, desajeitada acerta a lâmpada do spot do lavabo, cacos por todos os lados. Nervosa, atende ao telefone que teimava em tocar quando o filho mais velho grita “mãe, mãe, vem aqui”, ela, “estou cansada, não quero saber de nada”, ele continuava a berrar. Ela de conversa nem deu ouvidos. “Está bem, então não vou contar que o leite derramou e está sujando todo o fogão”, ela corre até a cozinha, era uma tragédia, tudo queimado.
Chorando, a borralheira pega os dois filhos, tranca a casa, entra no carro e vai tomar sol e passar o resto do dia na casa de sua irmã pensando, “quem mandou ela faltar, que se vire amanhã”.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Uma Noite Fria


Eram 19h00min, uma noite fria de um inverno rigoroso de nossa cidade, meu marido e eu, íamos ao supermercado, a pé, conversando, quase que passeando, não era longe de casa. Ao falar, nossas bocas pareciam chaminés exalando fumaça de algo a cozinhar. Encontro do ar quente do corpo com o sereno.
Andávamos calmamente. Na porta do nosso destino, bem a nossa frente estacionou uma Mercedes. Linda. Preta, o modelo daquele carro? Nem sei dizer. Um luxo. Ficamos admirando por uns instantes até que sentimos um cheiro ruim forte de lixo. Olhamos para trás, havia uma família. Pai, mãe e três filhos revirando os cestos, os sacos. Catadores, sobreviventes. Material reciclável. Vender para comer.
Espalhavam tudo pelo chão, para separar. Tapamos o nariz, odor insuportável. “Deviam usar luvas e máscaras”, comentou meu marido.
Era a classe alta de um lado, a baixa do outro, e nós, a média, no meio, assistindo o horror e o espetacular.
Temos uns amigos que falam que o Brasil é uma “Belíndia”, mistura de Bélgica com Índia. E é verdade, aqui se vai de céu a inferno num só passeio.
A elite saiu do supermercado com garrafas e pacotes recheados de guloseimas, das melhores. Entraram no veículo confortável; ar condicionado, e seguiu, provavelmente para uma mansão.
A plebe, os inclusos, saiu com garrafas vazias, pacotes, restos maus cheirosos, numa carroça de duas rodas, puxada por eles mesmos para seu barraco, no subúrbio provavelmente.
Nós dois ficamos ali, estagnados com o disparate que acabávamos de presenciar. Quase congelados, seguimos em frente, nem fizemos compras. Continuamos andando, soltando fumaçinhas pela boca a conversar sobre o acontecido, “qual será a próxima cena que veremos”, desejando que aquela fosse apenas parte de um filme, de ficção.

sábado, 10 de outubro de 2009

Dia das Crianças - Neverland


Que bom que seria se o mundo fosse como na “Terra do Nunca”, onde se é criança para sempre. Lugar esse que só se brinca e a ingenuidade impera; a festa rola e o divertimento é estabelecido. Quem ainda não sonhou ser como “Peter Pan”; ter uma fada sininho que te jogasse um pozinho mágico e te fizesse voar! Realmente seu mentor viajou no mais puro dos sonhos. Morar num lugar maravilhoso, se locomover pelo ar e na maior facilidade; está certo que nem tudo são flores; Capitão Gancho e seus comparsas, e, pensando bem, alguém teria que crescer para tomar conta dos pequeninos não é?
È, ser criança para sempre seria lindo, mas certamente complicado, é a fase mais linda e despreocupada de todas da vida, mas como todas elas, vai passar, então deixemos as crianças serem crianças, aproveitar; correr, pular, se sujar, imaginar! A imaginação é o ponto alto de quando se é infantil. Sonhamos ter, ser príncipes e princesas, temos muitos amigos, reais e alguns, digamos assim: imaginários! Nas balas, chocolates, doces e chicletes vemos as delicias da vida, se pudéssemos nadaríamos numa piscina cheia delas. Piscina! Só os olhos ardendo, as mãos enrugadas nos faz sair dela. Mas só os adultos nos fazem ver isso. Adultos! Cá estão eles de novo. Na verdade o papai é nosso herói, a mamãe nossa protetora, os tios, dão presentes, os avós, ah! Os avós, com eles podemos tudo!!!!! Certo e errado! Incumbência dos pais!
Para elas o mundo é diversão e viemos para cá à passeio, Mc, coca-cola, parques, bola ou boneca, o mundo é uma fantasia, e quando começamos a perdê-la, parece que estamos em outro planeta, é, “Nerverland” parecer ser mesmo só “never”. Mas não importa enquanto estivermos nela é porque ainda somos crianças! Depois de tudo isso como não acreditar em Papai do céu!!!!!!!!!!!

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

SHOFAR


Curitiba. Um domingo frio, eu diria, congelado; típico dela mesma. A chuva não dava trégua, insistia em descer como se quisesse limpar, lavar a poeira do ar e a incrustada na vida dos humanos. Mas nada, nada me impede de me juntar ao povo de Deus e assim formarmos a igreja; chuva, frio; desconforto.
Dezenove e trinta; agasalhada, caminhei para o templo, fui ver o Senhor enche-lo com Sua glória.
Entra um, entra outro e os bancos aos poucos sendo ocupados. A esposa do pastor me cumprimentou dizendo, “paz, Denise. Sabe, procuro sempre ocupar o lugar no banco detrás de você, me comovo ao te ver louvar ao Senhor”. Eu respondi, “nasci para louvar e adorar a Deus”. Deus me ouviu!
Dá-se início ao culto, e o motivo do meu viver alegrou meu coração. A banda tocava, os ministros cantavam em meio ao louvor e adoração. Como a chuva lá fora, as gotas escorriam pelo meu rosto; lágrimas de um coração quebrantado e contrito. Fechei os olhos e me entreguei nos braços do Pai.
Sem saber do presente que os líderes haviam preparado para a igreja, ouvi um som, maravilhoso, era como se uma trombeta anunciasse a abertura dos portões celestiais, foi o que eu vi; um grande, um enorme portão cravado de pedras preciosas e anjos, serafins e querubins ornando a entrada. Era o shofar, aquele som chamava o povo de Deus a ceiar com Ele, a entrar no magnífico palácio celestial; a multidão caminhava como se andasse em nuvens, adentrando o paraíso com júbilo e graça cedida a nós por Deus; Jesus.
Ao cessar do som; realidade! Me vi obrigada a descerrar os olhos. Mas sei, aquela visão era mais real do que a própria realidade.
Vou esperar com paciência!

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Deny, a História de Uma Vida - O Milagre


Tarde quente, fevereiro de 1958, Sul de Minas Gerais. Uma mulher grávida sentiu-se mal, chamou o marido e disse, “está na hora”, “será?”, responde ele, “os meses não se completaram ainda!”. Mesmo assim a levou para a maternidade.
O médico fez o parto; natural, prematuro, difícil. A criança nasceu e ele disse, “é menina, o cordão umbilical estava amarrado ao pescoço, não sobreviveu, não respira e já está de cor arroxeada”. A mãe a viu, a abraçou junto ao peito e pensou, “tão magrinha, tão pequenina, virou anjinho!”.
Sem esperanças, batizam-na rapidamente com o nome de uma santa e a deixam na estufa enquanto o pai tomou as providências. Triste espera.
O desalento é geral. De repente uma enfermeira gritou, “está viva! Ela voltou, ela está respirando”.
Naquele momento eu verdadeiramente nascia, via pela primeira vez a luz do dia e o milagre da vida. Acho que tive permissão para ficar, ou voltar, porque teria muita coisa a fazer e viver por aqui. Meus pais me deram nome composto com o que fora dado na aflição, mas chamavam-me carinhosamente “Deny”. Embora já tivessem alguns filhos e minha mãe ter saúde debilitada, vieram a ter muitos outros após meu nascimento.
Ainda bebê, a empresa em que meu pai trabalhava o transferiu para o norte do mesmo estado. Promoção, gerência. Rede de lojas famosa do país. Nos mudamos, e eu? Bem nem percebia as coisas acontecerem ao meu redor, era amada e protegida, de aparência frágil, mas viria a ter uma vida intensa, cheia de alegrias, tristezas e muitas aventuras.
Começa assim e aqui a história de uma vida.

sábado, 3 de outubro de 2009

O advogado


No silêncio, vê e revê os processos e anotações feitas. Não quer errar. Testemunhas de acusação e defesa ouvidas. Sua mente repassa sem cessar as conclusões finais. Lá fora a chuva cai e respinga o vidro cortando-lhe a seqüência da revisão. “É tarde” pensa ele. Convicto e confiante, dorme.
É hora. “Todos em pé”, ordena o meirinho. O juiz toma seu lugar. E tudo recomeça como dia após dia. O promotor faz sua declaração. A “vítima” teve seu fim. O réu está em suas mãos, a defesa, o advogado.
Suspense. Ele começa: “No aconchego do lar“, olha para os jurados. “Imaginem, está a família, trocando fatos do dia. Alguém entra quebrando o vidro e o sagrado. Ao invadir, rende a todos, rouba, machuca. Fere os sentimentos e o orgulho. Com pensamentos em conflito pela gravidade da situação. O pai, o marido, em um relance de oportunidade, sai em defesa da honra. Pega um revolver, e jaz um corpo no chão. O meliante não desferiu ninguém com arma, mas atingiu o coração daquele homem”. Aponta para o réu. “Ao tirar sua privacidade”. Silêncio.
“Sem mais, lhes pergunto: o que fariam?” Vai se sentar finalizando.
A mãe da “vítima” chora. A do réu ora. Todos esperam. O resultado vem. E de novo, todos em pé. A sentença é lida: “consideramos legítima defesa, inocente”. Ouvem-se gritos de dor e alegria.
Ele, satisfeito pensa: “a justiça do homem foi feita, como será a de
Deus?”